domingo, 6 de abril de 2014

AUTOMÓVEL ABANDONADO

LATA VELHA

O triste destino dos carros

Se reciclados, eles valeriam um bom dinheiro. Mas as leis para isso estão emperradas

Victor Moriyama

Carros também morrem. E são abandonados nas ruas ou levados a "cemitérios", como este em São Paulo.



Em tempos de trânsito cada vez mais caótico nas grandes cidades, a reputação dos automóveis anda arranhada. 

São eles os grandes vilões a atravancar uma eficiente mobilidade urbana. No Brasil, há ainda outro fator que denigre a imagem dos veículos automotores - no caso, aqueles que não estão mais rodando: a imensa frota nacional de carros abandonados. Relegados ao deus-dará nos pátios dos departamentos estaduais de trânsito por questões legais - ou até mesmo esquecidos pelas ruas por motivos como falta de pagamento de impostos ou multas em excesso -, eles são milhares espalhados pelas cidades brasileiras, incluindo motocicletas, ônibus e caminhões. 

Para agravar a situação, só em 2012 foram emplacados mais de 5,5 milhões de veículos 0 km, segundo dados da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave). Isso significa que mais veículos deixarão de circular e terão como destino um ferro-velho qualquer. 

Além do perigo ambiental que representam, esses restos mortais de lata também revelam a fortuna que o país deixa de arrecadar por não reciclá-los. O Sindicato do Comércio Atacadista de Sucata Ferrosa e Não Ferrosa do Estado de São Paulo (Sindinesfa) estima que só 1,5% dos veículos fora de circulação é enviado à reciclagem. Nos Estados Unidos e na maioria dos países europeus, o índice alcança 95%. Segundo o Sindinesfa, tudo em um carro pode ser reaproveitado. Em especial, a carcaça e as demais peças de metal. Elas voltam a ser matéria-prima nobre para as indústrias siderúrgicas, que depois abastecem os fabricantes de novos veículos. 

Só a cidade de São Paulo abriga uma mina de ouro em carros que já não rodam mais e poderiam ser reprocessados. Em um dos maiores depósitos de veículos apreendidos do país, o Pátio Santo Amaro, milhares deles apodrecem, de forma perigosa, à beira do mais importante manancial de abastecimento de água da capital paulista, a represa de Guarapiranga, na zona sul da cidade. Na área de 80 mil metros quadrados, situada a menos de mil metros do manancial, estão armazenados cerca de 20 mil veículos, retirados das ruas pelo poder público. São automóveis e motocicletas roubados, com chassi adulterado ou com irregularidades a ameaçar de contaminação as águas que boa parte dos paulistanos bebe. Pela lei, cada um deles só poderia estar ali por até três meses. Caso os proprietários não regularizem a situação, esses automóveis deveriam ir a leilão. 

Mas grande parte dessa frota fantasma enferruja no Pátio Santo Amaro há mais de dez anos. A área é particular, e foi alugada pelo estado só para a guarda dos veículos irregulares. O que era para ser um bom negócio ao proprietário se transformou em estorvo e um grande imbróglio judicial, contra o governo, que se arrasta há anos. Amargando um prejuízo do tamanho de seu terreno, o proprietário demitiu os funcionários que cuidavam dos veículos, que agora estão à mercê das intempéries e dos ladrões, que abastecem de peças desmanches clandestinos. "O Tribunal de Justiça de São Paulo acaba de intimar, pela quinta vez, o governador para retirar os veículos daqui. E isso deve ser feito antes que aconteça um grande estrago ambiental", diz um representante do Pátio Santo Amaro, que não quis se identificar por temer represálias. Há muitas áreas semelhantes ao redor da represa de Guarapiranga.

Nem mesmo o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) sabe exatamente quantos veículos estão sepultados em cemitérios irregulares. Questionado, o Contran - por meio da assessoria de comunicação social do Ministério das Cidades, ao qual está subordinado - limita-se a dizer que o assunto é de competência de cada órgão de gestão viária dos estados e municípios. Mas reconhece que as questões legais emperram a liberação dos veículos para a reciclagem, já que "a alienação de sucata de veículo por órgão público deve cumprir de forma rigorosa a lei de licitações, e envolve muitas formalidades", informa a assessoria. 

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